Empreendedorismo aos setenta anos

compartilhe:

O sonho do Seu Sadi. em plantar ruibarbo em São Francisco de Paula, mudou o futuro da sua família

Se faz história no dia a dia e se cria o futuro contando estas histórias. No Brasil, estas narrativas, geralmente contadas por pequenos empreendedores, são fundamentais para movimentar sonhos e vida real de muitas famílias.

Um pequeno produtor rural em São Francisco de Paula (RS), região dos Campos de Cima da Serra, o seu Sadi Müller, orienta sua vida pelos seus sonhos. Ele, que nasceu em 08 de julho de 1951, no distrito de Rincão dos Kröeff, em São Francisco de Paula, vê a terra como empreendimento desde cedo. Filho de agricultores, nasceu sabendo que lavouras bem cuidadas são um cenário de futuro para todos, seja a sua família, como a comunidade a que pertence. Aos 16 anos, já dirigia caminhão e vendia a safra da família na Ceasa (Central Estadual de Abastecimento), em Porto Alegre.

Seu Sadi casou com Clarice Martini, que também era agricultora e filha de agricultores. Nesta época plantavam repolho verde e roxo. Com o tempo percebeu que precisava expandir o plantio para poder crescer. Passou a arrendar o campo nativo dos fazendeiros, o que proporcionava uma extensão maior para a lavoura. Foi aí que a produção começou crescer, não somente em quantidade, mas também em variedade. Couve-flor, brócolis, moranga, romanesco passaram a ser semeadas e cultivadas junto com os tipos de repolho.

O agricultor percebeu que existiam muitas espécies de hortaliças que não eram cultivadas e investiu neste mercado. Foi o primeiro plantador de alho poró, do sul do Brasil. Na época, ninguém conhecia. Hoje, caminhões carregados de alho poró, saem da sua Fazenda da Cria, em São Francisco de Paula, para abastecer o Brasil todo. Há cerca de 20 anos escoa toda sua produção com 12 tipos de hortigranjeiros para uma rede gaúcha de supermercados.

Em 2010, Seu Sadi precisou operar o coração. Com isto não pode mais dirigir caminhão, e então, encerrou a vida profissional na Ceasa, permanecendo somente com a produção para supermercados.

Apesar dos setenta anos e da saúde que inspira cuidados, Seu Sadi e a família Martini Muller trabalham diariamente na terra. E numa destas idas para a lida diária, ele vislumbrou um plantio ainda mais inovador: o ruibarbo. O ruibarbo, de talo rosa e sabor agridoce, é uma planta de origem asiática, muito utilizada na gastronomia nórdica e europeia.

Desafio e superação fazem parte da vida desta família desde sempre. Fora da Ceasa e sem o contato direto com consumidor, a vida do produtor rural passou a ter ainda mais obstáculos para escoar/vender a produção de um novo produto. Neste tempo a comunicação se digitalizou, o celular e o computador tomaram conta dos negócios. E o ruibarbo provocava o empreendedorismo do seu Sadi. Como vou produzir? Onde vou vender? Quem vai comprar esta planta? Os questionamentos o acompanhavam o dia todo.

A relação da família com o ingrediente é antiga. Saídos do Rincão dos Kröeff, distrito de São Chico, a família se instalou na sede de São Francisco de Paula e se aproximou dos vizinhos. Isaura Martini Muller, filha de Sadi e Clarice, conta que tudo começou com as conversas com uma vizinha, dona Ida Keller, descendente de alemães, que fazia a tradicional “torta de ruibarbo” no seu aniversário. A receita era secreta e a muda do ruibarbo não podia ser compartilhada. “A muda de ruibarbo só chegou na nossa família quando essa vizinha, já idosa, estava se mudando para um asilo. Como forma de manter a tradição, ela nos deu a receita da torta secreta e uma muda da planta, que mais tarde morreu. Desde então procurávamos sementes em todos os lugares, mas sem sucesso”, conta Isaura.  
 
Recentemente a família encontrou as sementes de ruibarbo e não perdeu a oportunidade de resgatar essa história afetiva. Já são 20 mil pés cultivados na Fazenda da Cria. Seu Sadi, aos 70 anos, e ainda com a mesma visão, que o tornou o primeiro produtor de alho poró do estado, acreditou no novo negócio e envolveu toda a família no projeto.

O ruibarbo mexe com sentimentos e memória afetiva para quem já o conhece, mas também instiga a curiosidade. de quem vê o talo rosado nas redes sociais e na mídia. “Por ser pouco conhecido ainda no Brasil, estamos trabalhando na divulgação, mas essa conexão facilita bastante. As visitas nos cursos de gastronomia, onde os chefes “brincam” de inventar pratos entre doces e salgados, também nos inspira a buscar mais informações. Além de tudo isso, o ruibarbo conta com propriedades medicinais, que o torna uma planta ainda mais simpática”, conta a filha Isaura Müller, que administra as redes sociais da Fazenda da Cria. Para o segundo semestre de 2022 está prevista a abertura da estrutura para turismo rural no local, onde os visitantes poderão conhecer as lavouras e provar seus sabores.

 
O ruibarbo produzido pela Fazenda da Cria já pode ser encontrado na Ceasa, em Porto Alegre, mas a família Martini Muller também está se aventurando através de chefes de cozinha que descobriram a produção pelo Instagram. Usando a hashtag “ruibarbo” na rede social, os amantes da planta conseguem se conectar e trocar, inclusive, receitas tradicionais. “Em setembro de 2021, quando começamos este sonho do pai, postei uma #ruibarbo. E esst hastag me conectou com pessoas de diferentes lugares no Brasil e no mundo. Muita troca de receita e também de conhecimento. Uma planta nova, cheia de desafios para cultivo. Também contatamos com engenheiros agrônomos, que estão se reinventando para aprender e ajudar a cultivar ruibarbo nos Campos de Cima da Serra, aqui no sul do Brasil. O ruibarbo literalmente nos deu uma sacudida. Fez a família caminhar junto para descobrir muita coisa. E hoje, com a reforma da Fazenda da Cria, se encaminhando para o final, temos certeza que nosso turismo rural será mais rico, tanto na gastronomia, quanto no conhecimento. Será muito produtivo dividir com outras pessoas esta história toda. E também ouvir os relatos de quem conhece o ruibarbo, já que estas sempre vem cheias de emoção, com muita memória afetiva”, finaliza Isaura.

2 respostas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Nossos Colunistas